Frank de Alcantara
Frank de Alcantara
Pai, marido, professor e engenheiro.
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O inferno, o Covid e as boas intenções

O inferno, o Covid e as boas intenções

No dia 11 de abril de 2020 o Google e a Apple, anunciaram que irão disponibilizar um conjunto de ferramentas para a localização de pessoas portadoras do vírus corona utilizando o bluetooth dos seus dispositivos móveis. O objetivo é permitir que as pessoas infectadas, voluntariamente, possam alertar a todos à sua volta em um raio de 8m (mais ou menos o raio de ação do bluetooth) que estão infectadas. O que poderia dar errado?

Estão cheios de boas intenções e citando diretamente a matéria temos:

"Through close cooperation and collaboration with developers, governments, and public health providers, we hope to harness the power of technology to help countries around the world slow the spread of COVID-19 and accelerate the return of everyday life."

Nunca pensei que chegaríamos a esse ponto. Talvez a melhor forma de colocar o que penso sobre isso seja citar um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos da América, Benjamin Franklin:

"Those who would give up essential Liberty, to purchase a little temporary Safety, deserve neither Liberty nor Safety."

Ou, em bom português: aqueles que renunciam às liberdades essenciais para comprar um pouco de segurança temporária não merecem nem a liberdade nem a segurança.

Veja, por exemplo o que está acontecendo na nossa própria casa. Quase todos os dias vemos governadores, e prefeitos, tomando atitudes totalmente abusivas e ditatoriais usando a pandemia como desculpa. A imagem que passam é de que são pessoas cheias de boas intenções que estão sendo forçadas a agir desta forma já que as pessoas insistem e continuar indo às praias, parques e praças das suas cidades.

A culpa é dessa gente que insiste em usar as liberdades que a constituição dá.

Existem, contudo, casos interessantes que merecem mais atenção. O que faz uma pessoa tão esclarecida como um jornalista (posso chamar assim? não tenho certeza já que só o vi uma vez apresentando um jornal) Marcelo Cosme ir a praia correr em tempos de quarentena? Não deveria ser preso? Afinal ele está pondo em risco a vida de milhares, se não milhões de pessoas.

Ou está apenas exercendo seus direitos? Ainda que de forma irresponsável e um tanto hipócrita?

O caso do jornalista é exemplar, trata-se de uma pessoa formada e esclarecida, que diariamente vai ao seu trabalho e exercita sua empatia informando a milhões de pessoas que estas devem ficar em casa. De onde podemos inferir que ficar em casa é o melhor que você pode fazer para sua saúde e para a sociedade. Ainda assim, ele sai para correr na praia e curtir o lazer e as oportunidades que seu salário lhe dá. Ele teria a desculpa de estar interpretando a empatia, parte do trabalho, se fosse ator e não jornalista.

Não seria o caso típico de ir preso? Se não imediatamente, ainda no prazo do flagrante legal? Imagine que segundo a maior parte dos nossos políticos quem vai a praia está incorrendo em violação dos seus decretos, punível com multa e retirada pelo uso da força policial.

Por favor, não me leve a mal, eu não tenho nada contra o Marcelo Cosme, além de empatia. Afinal, ele se tornou um símbolo fulgurante da hipocrisia nacional. Os governadores, e prefeitos, estão cobertos de boas intenções. Fecharam todos os supermercados, shoppings, praias, praças e parques das suas cidades para evitar aglomeração. Restringindo o direito de ir e vir, sob a desculpa da pandemia.

Alguns até estão distribuindo cestas-básicas para a sociedade civil. Não é difícil de ver estas cenas na internet. Milhares de pessoas impedidas de trabalhar, que não podem ganhar a vida, graças ao isolamento social, sendo forçadas a aglomerações em ambientes fechados para ter o que comer enquanto prefeitos, e governadores, tiram fotos em cima de carros de som.

A mais hipócrita imagem da salvação. Dando pão ao povo e vinho aos seus.

Nós já vimos isso antes, várias vezes na história e não acabou bem. Em 1555, por exemplo, com a intenção de proteger o povo cristão e garantir a liberdade do povo judeu o Papa Paulo IV publicou uma Bula Papal, Cumnimis absurdum, e deu origem ao sentido atual da palavra gueto. Mas, isso fica para outro texto.

Por enquanto, neste momento em que escrevo, lembre que tudo que estamos fazendo contra este vírus é só palpite. E palpites podem ser bem, ou mal, intencionados. O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções.

Foto de: Ashkan Forouzani on Unsplash